domingo, 26 de dezembro de 2010

segunda e terceira página do meu livro

Percebi que eu estava parada na calçada e olhando a porta da farmácia onde o Simon trabalha. O vento continuava a soprar forte e sem dó. O sol estava bem acima de minha cabeça. As nuvens nem apareciam de tão forte que o sol brilhava. Apenas dava-se para ver o azul claro do céu e aquela bola quente e amarela bem no meio dele. Penteei meus cabelos com as mãos, ajeitei o suéter que estava aberto e sacudia de um lado para o outro e balancei a cabeça. Tentei esquecer esses pensamentos que dominaram minha mente por... Ah. Meu Deus! Eu estava atrasada. Ficar presa em devaneios sobre o ex-namorado é tão bom quanto levar uma bronca de seu chefe em plena manhã de sexta-feira. Fechei os olhos e pensei no quanto meu dia seria bom e luminoso de coisas boas. Saí correndo para o trabalho esbarrando em quase todo mundo que passava por mim. Eu apenas dizia “Hei, desculpe” ou “Com licença”. Eu quase levava as malas das pessoas comigo, talvez quase arrancasse suas mãos ou quem sabe os ombros.
Cheguei ao trabalho cumprimentos a todos com “Oi, bom dia”. Eu era tão educada. Que chegava a dar orgulho de mim mesma. Se meus pais estivessem vivos, aposto que ficariam surpresos com meu bom comportamento depois que saí do colégio. É que você sabe como são adolescentes, não é? Eles são chamados de “aborrecentes”. E na minha época eu era terrivelmente terrível. Eu causava muitos problemas aos coordenadores. Quase fui expulsa uma vez por xingar uma professora de uma coisa muito feia mesmo. Só que acabei apenas tendo que escrever uma folha inteira de “NÃO DEVO FALAR MAL DOS PROFESSORES”. Foi tudo muito chato, mas, foi melhor do que ser expulsa.
Fui até minha mesa rezando para que ele não estivesse andando por ali para ver como estavam indo as notícias, mas, ele estava. E quando me viu mandou que eu fosse a sala dele. Entrei em sua sala bem quietinha e com um gesto de educação pediu que eu me sentasse. Se não fosse para levar bronca eu até diria que ele é um sujeito educado, mas me sentei para não cansar de ficar em pé enquanto o Sr. Gralha falava. É assim que todos o chamavam, mas claro, que ele não sabia e se soubesse nos demitiria na hora. Ele estava tão furioso que queria marcar minha testa com os números 7 e 30. Pensei que ele iria saltar em cima de mim a qualquer minuto. Imaginei que antes de sair de casa ele deveria ter brigado com a mulher ou, talvez, descobriu que sua filha mais nova namora um cara dez anos mais velho. Também há a possibilidade de sua filha ter chegado em casa cinco horas da manhã ou quem sabe apareceu grávida de um traficante. Eram apenas probabilidades, porque eu nem sei se o cara tem filha e nem sei se é casado. Mas tenho certeza que ele estava muito bravo e todos da editora do jornal sofreriam durante o dia inteiro ou enquanto durasse o mal-humor do chefe. Achei que eu morreria dentro da sala dele ouvindo o sermão, mas fiquei feliz em saber que, ao sair de lá, ainda estava viva. Sentei na minha mesa normalmente, como sempre, e fui ver as notícias que eu tinha que escrever e arranjar manchetes que chamariam a atenção do público. As notícias eram quase sempre a mesma coisa. Mas, eu era excelente em criar manchetes legais. A primeira notícia era meio arrepiante. Era de uma mãe – que tinha 21 anos, morava em São Paulo, num dos bairros mais pobres - que deixou uma criança no carrinho tomando leite na mamadeira e foi lavar roupa. A mãe desnaturada deixou a criança sozinha e o neném acabou afogando-se. O título para essa notícia era simplesmente fácil.
           
              “Consequências de uma mãe descuidada”

Após o título começava o texto com detalhes de onde a mãe morava, a idade, o nome e sobrenome dela e testemunhos de vizinhos. E depois informava teorias de como a criança morreu, qual o nome dela, qual a idade e como ela era fisicamente e se apresentava alguma doença. E num outro parágrafo é apresentado o que a polícia diz sobre isso, como a mãe estava no momento e o que aconteceria com ela.
O resto das notícias era sobre agricultura, esportes e lazer. Sobre melhorias na cidade, empregos disponíveis, entre outros. Mas, o meu trabalho era escrever textos e manchetes de notícias então o resto eu deixei para Cléo, a garota loura de olhos verdes estonteantes e com um corpo violão na quais os caras que ela passava babavam ao vê-la. Era super humilhante andar ao lado de Cléo Pierre. Todos os caras olhavam somente para ela. Só que, claro, suas roupas os deixavam mais fixados em seu corpo. Aquelas blusas totalmente decotadas e as saias curtas eram terrivelmente escandalosas. Um dia quando passei pelo cara tarado que trabalha numa mesa antes da minha, me chamou e me perguntou isto:
-Por que você não se veste como a Cléo? Docinho, você iria ficar esplêndida!
Minha cara ficou assombrada. Meus olhos viraram chamas. Eu queria esbofeteá-lo bem no meio daquela cara de retardado. Achei que meus ouvidos estavam ouvindo mal. Talvez, ele só estivesse mexendo os lábios sem soltar uma palavra. Mas, eu sabia que ele havia falado e era bem aquilo que eu escutei.
-Porque não gosto de chamar atenção. – respondi bem calma a ele, que sorriu maliciosamente.
-Você chama a atenção. – Eu não descobri até hoje o que ele quis dizer com aquelas palavras. Apenas virei pra frente e comecei a trabalhar. Esqueci num segundo aquela conversa fiada e de mau gosto.
Quando lembrei do cara eu sorri. Chamar a atenção. Eu gostaria de chamar a atenção, mas de um determinado homem. Só um. Mas me proibi eternamente de citar o nome daquele ser que me esqueceu fácil, fácil. Umas das regras pra esquecê-lo é fazer isso e é isto que farei. Não quero me lembrar dele. Nem de seus cabelos bagunçados de uma cor preta tão intensa que me enlouquecia. Aqueles ombros largos e musculosos. Os braços fortes envolvendo minha cintura como se estivesse me protegendo de algo. É! Talvez estivesse protegendo a mim de mim mesma. Pena que ele não soube fazer isso bem... Balancei a cabeça para espantar os “maus” pensamentos. Aliás, eu nunca mais deveria pensar nele. Nunca!

Nenhum comentário:

Postar um comentário